
O presidente da Câmara de Comércio Americana em Angola considera que o País tem na administração Biden um dos maiores advogados, mas aponta o dedo à falta de patriotismo de servidores públicos que põem em primeiro lugar os seus interesses pessoais, contribuindo assim para o aumento da pobreza social que se agrava todos os dias.
A guerra da Ucrânia completou recentemente um ano, com reflexos directos na economia mundial. Que avaliação faz do mercado petrolífero nesta conjuntura?
O mercado conseguiu estabilizar apesar das sanções e da convulsão energética em que o mundo se encontra. A estabilização do preço do barril de petróleo deve-se a algumas decisões que foram tomadas em relação ao embargo da produção russa, pese embora a Europa tenha encontrado alternativas ao petróleo russo. A redução no acesso ao petróleo russo desequilibrou o princípio da oferta e procura. E quando há uma diferença neste binómio os preços tendem a subir ou descer em função da situação. A estratégia da Arábia Saudita e seus pares, que decidiram continuar com os cortes planificados também contribuiu para a redução da oferta, e o aumento da procura fez com que os preços disparassem para cima dos 100 USD. Agora está a estabilizar próximo dos 80. E tende a baixar mais em função da actividade produtiva muito acelerada nos Estados Unidos.
Qual é o preço ideal para a estabilização do mercado?
Vai depender muito do desfecho da guerra e também da forma célere que os americanos apostarem na sua produção. A administração Biden definiu na sua estratégia a redução dos combustíveis fósseis a partir dos EUA, e os accionistas das grandes companhias como a ExxonMobil, Chevron e outras, em vez de fazerem investimentos na procura de mais petróleo, decidiram fazer partilha dos dividendos. Angola tem sabido tirar proveito desta onda de preços, maximizando a sua produção? Entristece-me muito falar desta questão. Porque, apesar de tudo, quando em 2012/2013 fomos alertando na perspectiva da produção de Angola vir a cair para níveis inferiores a um milhão de barris/dia, quem tinha responsabilidade de tomar decisões para prevenir isso, pouco ou nada fez. E, infelizmente, estão aí e não são responsabilizados. Isso tem provocado um dano muito grande ao País, porque em 2008 a nossa produção chegou a atingir os dois milhões de barris por dia. Em 2013, havia uma estratégia de desenvolvimento, o Decreto 8/13, que previa a mobilização de 8 biliões USD para serem investidos na exploração. E parte destes fundos seriam através de mobilizações directas com os operadores.
Isso não aconteceu?
Havia também a ideia que Angola não se devia preocupar com o aumento da produção. Quando entrámos na Organização dos Países Exportadores de Petróleo, já estávamos a produzir 2 milhões de barris. Com a entrada nesta organização a produção começou a cair, porque absorvemos o conceito de que mesmo que a produção baixe é compensada com preços mais altos. Temos visto que isso não é bem assim, porque a variação dos preços é cíclica. Oscila em função de vários factores exógenos que influenciam esta variável. É impressionante que a nossa liderança não foi capaz de visionar e prever ou antever situações como essa. Se nesta altura estivéssemos a produzir a bons níveis e ao preço que está, Angola teria arrecado muitos mais biliões de dólares. O Decreto 8/13 previa também intensificar a actividade de exploração petrolífera que conduziria o País à produção de 3 milhões de barris dia. Mas infelizmente, ao invés de hoje termos os 3 milhões, estamos a produzir a níveis bem inferiores. Já houve dias em que a produção ficou abaixo de um milhão. E o impressionante é que as pessoas que tomaram estas decisões estão aí, como se nada fosse.
Quem são estas pessoas?
Vamos rever a lista das pessoas que estiveram à frente da Sonangol, que era a concessionária, facilmente conseguimos lá chegar. Não é difícil. É só vermos quem liderou a Sonangol desde 2013, aí facilmente chegaremos à conclusão. E o pior é que não faltaram alertas. Inclusive de grandes consultoras como McKinsey. E é bastante triste porque Angola nesta altura tem acima de 4 biliões de barris de petróleo descobertos e que em função das condições de mercado, tornou-se economicamente inviável. Mas se trabalhássemos nos termos e condições dos contratos de partilha e produção, essa característica de inviabilidade económica mudaria para viabilidade económica e financeira.
O que é que faltou?
Sentido patriótico. Pensar País.
Não se pensa País?
Hoje, infelizmente, já não se pensa País. Isso é uma característica de África. As pessoas estão mais preocupadas com bens materiais. Carros de luxo... Se de um lado estiver a defesa dos interesses do País e não obter o Lexus, ou uma casa no Talatona ou algures em Portugal, os interesses do País vão ser esquecidos e o decisor vai beneficiar-se disso. Mais fácil se opta por este caminho, do que pensar o País. As pessoas estão mais viradas para obter benefícios materiais e financeiros em detrimento dos interesses de toda uma nação. E isto tem provocado o surgimento de uma pirâmide com uma base extremamente alargada de pobreza. Nem mesmo na época colonial vi chefes de família a alimentarem os seus dependentes através de contentores de lixo. É só para ver onde nós chegamos. Enquanto há pessoas que exibem biliões de dólares e estão aí.
Falta sentido de responsabilidade?
Estrategicamente sente-se uma vontade muito grande por parte do Presidente João Lourenço em melhorar as condições do seu povo, do País. Isto até está a ser reconhecido internacionalmente. Mas muito mais pode ser feito. Sobretudo na questão petrolífera, porque o petróleo é a coluna vertebral da nossa economia. Se o preço do petróleo estiver bem, estamos felizes, mas se estiver mal, estamos pobres e na miséria. A riqueza que o País tem deve ser gerida de forma inteligente, racional e patriótica. Repito, patriótica. O alerta começou a ser dado em 2012/2013, nada foi feito até 2017, altura em que o Presidente João Lourenço toma a liderança do País e começa a reunir com as empresas operadoras.
Este caminho está ser invertido?
Está-se a fazer alguma coisa, pese embora não de forma muito eficiente. Há coisas que estão a acontecer e vão atrasar estes objectivos.
O que é que se pode ou deve ser feito diferente para elevar os níveis de produção?
Estimular de facto os investimentos no sector e também atribuir blocos à operação. A empresa que estiver a operar tem de estar motivada para poder produzir mais. Porque quanto mais produzir, mais receitas o País tem. E quando a operadora não estiver motivada é necessário haver ferramentas suficientes para convencer e estimular as empresas. Geralmente as multinacionais, quando aportam num determinado sítio e fazem uma descoberta bilionária, basta anunciar no mercado, as suas acções sobem e começam a facturar. Mesmo sem o petróleo ser produzido. E aqui a nossa liderança não dá conta disso. O que acontece é que eles multiplicam os seus rendimentos sem estarem a produzir e chega uma dada altura vão fazer os investimentos noutras geografias
Por culpa de quem?
É preciso que se crie um ambiente para que isso seja ultrapassado. Por exemplo, tenho um caso concreto, o presidente de uma multinacional operadora no mercado, em 2015, convenceu a administração da sua empresa mãe a fazer um investimento de 1 bilião USD para negociar com a Sonangol os termos e condições para aumentar a sua produção. O homem esteve a subir e a descer o edifício da Sonangol e nem era recebido sequer. Devido a esta situação, a administração desta empresa decidiu ir investir noutro local. Concretamente num projecto de gás no Senegal. O problema é a falta de responsabilização. Não há patriotismo e não há responsabilização. E hoje estamos a ver o povo a pagar esta factura. Houve um fio de esperança com a paz, mas o certo é que o povo continua a sofrer. E parte significativa deste sofrimento é por decisões que são tomadas.
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